Essa história, infelizmente, é a realidade de muitas famílias que sofrem com o alcoolismo. Trata-se do relato de uma filha que nos procurou na tentativa de ajudar o seu pai a se livrar da dependência do álcool. Ambos concordaram em compartilhar com você a história deles. Não deixe de ler, pois esta pode ser também a sua história e a sua família.
Onde tudo começou
Meu pai começou a beber saindo da adolescência, quando ainda era um jovem adulto e saía para se divertir com os “amigos. Com o passar do tempo, a sua desculpa para continuar bebendo era a necessidade de esquecer os problemas.
Minha mãe contava que quando eu nasci meu pai foi para o bar festejar a chegada da sua primeira filha e a deixou em casa, recém-chegada da maternidade, voltando tarde da noite.
Isso foi se estendendo, com idas ao futebol, de onde ele sempre voltava alterado pelo álcool, como um adulto inconsequente de 18 ou 20 anos que passou a noite em uma balada ou no trote da faculdade.
Eu era muito nova na época e não me lembro muito bem desses momentos, mas com o passar do tempo comecei a perceber que ele era diferente dos outros pais.
Meu pai não era muito presente, batia o carro inúmeras vezes, vivia xingando e brigando em casa. Lembro-me de ter que ir buscá-lo na porta de casa quando era trazido pelos “amigos” por estar sem condições de vir sozinho. Lembro-me também dos seus machucados causados pela bebedeira.
Mesmo com esses problemas, ele trabalhava todos os dias e cumpria com seu horário de rotina, mas as idas constantes ao bar, as inúmeras brigas e os xingamentos sem motivos nos deixavam muito chateadas, irritadas.
A difícil realidade do alcoolismo
Desde que eu me conheço por gente, meu pai bebeu muito e brigas rotineiras, sem motivo algum, começaram a “afundar” nossa família. Ficamos sem rumo, mas ele, nunca assumiu que beber era um problema.
Há uns 15 anos, minha mãe tentou interná-lo, chamando alguns amigos da família e o pessoal da clínica. Todos foram até a nossa casa para conversar com ele, que não apenas não aceitou o tratamento, mas ficou extremamente irritado por termos chamado uma equipe especializada para interná-lo. Dali em diante, ele passou a virar a cara para todos os que tentaram ajudá-lo.
Assim, foram anos de bebedeira, de carros batidos, de ser pego dirigindo alcoolizado, de brigas em casa, se machucando… até que por volta de um ano atrás ele quebrou o pé em uma queda, tendo que passar por uma cirurgia. Essa foi a primeira vez que ele ficou afastado do serviço e que ficou sem beber, com a ajuda de remédios.
Quando sarou, voltou a beber cerveja de vez em quando, chegando em casa bem e conversando com a gente. Achamos que realmente ele iria parar de beber da mesma maneira como aconteceu com o meu avô, o pai dele, que também foi alcoólatra e que, por um incidente do destino, parou de consumir bebida alcoólica.
Mas foi só voltar para o trabalho, que nossa vida voltou a ser tumultuada, com brigas e xingamentos, chegando em casa bêbado.
O fim de uma história
Com o tempo, ele se recuperou, mas começou a andar estranho, parecendo estar sempre bêbado, mesmo quando não havia bebido. Isso se prolongou até uns 20 dias atrás, quando ele caiu e não conseguiu mais andar, pois não tinha forças nas pernas.
Com este problema, ao passar por uma internação, foi diagnosticado com síndrome de Vernick (falta de vitamina B1) e entrou em abstinência. Foram as piores cenas da minha vida, pois tive que ver o meu pai definhando por 5 dias.
Ele ficava confuso, tinha alucinações e, mesmo com as medicações, não melhorava, passando até a usar fraldas.
Entrei em pânico e, como todos os médicos me falavam que era por causa da doença e da abstinência do álcool, resolvi procurar ajuda em clínicas de reabilitação para interná-lo, mesmo sem ele querer.
Visitei uma clínica e, no dia em que iria visitar outra, meu pai teve uma parada cardiorrespiratória sem motivos aparentes. Mais uma vez eu entrei em pânico, porque, apesar de tudo, ele era o meu pai, ele me ajudava, me levava ao metro, me “dengava”.
Horas mais tarde, descobriram que ele tinha infartado. Não sabemos se o infarto ocorreu naquela noite ou no dia em que tinha passado mal, pois ele já vinha se queixando de pressão no pescoço e no peito, mas não demos muita importância.
Quando o médico falou que foi um infarto muito extenso e, por ele ser etilista e tabagista as chances seriam pequenas, ainda mais depois de uma parada de 35 minutos, eu senti uma mistura de sentimentos, pensamentos: “Será que deveria ter procurado um tratamento antes?” “Como seria ele viver sem poder ver todos tomando uma cervejinha?”.
Hoje vejo que procuramos o tratamento no Grupo Recomeço tarde demais. Naquele mesmo dia, meu pai teve a sua cura e foi morar em lugar melhor…
Mesmo assim, agradeço muito à equipe do Grupo Recomeço por me acompanhar neste momento tão difícil das nossas vidas, pelo atendimento e dedicação em me mostrar o que realmente é a doença do alcoolismo.
Deus abençoe!
Este relato é uma história real de alguém que perdeu um familiar, uma pessoa que amava demais e que, por falta de conhecimento, acabou deixando o “barco correr”, esperando que em algum momento as coisas pudessem melhorar por si mesmas.
Acredite, geralmente isso não acontece. Uma pessoa dependente de álcool raramente conseguirá abandonar o vício por si mesma, ainda que ela queira. É necessária a compreensão de que a dependência química é uma doença e necessita de tratamento, o qual, em sua fase inicial, é realizado boa parte das vezes com a internação do paciente.
Sabemos o quanto é difícil tomar uma decisão que impacta tanto a vida de outras pessoas como uma internação involuntária, mas, em muitos casos, isso é o que precisa ser feito.
O que é uma internação involuntária?
É quando um dependente químico é internado em uma clínica de recuperação contra a sua vontade, com autorização da família.
Esta é uma decisão muito difícil e por isso a maioria dos familiares a adia o quanto pode, mas há circunstâncias em que o dependente começa a colocar sua vida e a de outras pessoas em risco e elas não podem ser ignoradas.
Nesses casos, por mais doloroso que seja, a internação se torna a única maneira de tentar salvar a vida do familiar, mesmo que naquele momento ele não compreenda isso.
O consolo é que é muito comum, passada a etapa de desintoxicação, que o ente querido internado tenha o tempo e a sobriedade necessários para refletir sobre sua vida, suas escolhas e seu futuro, tomando a decisão de aderir ao tratamento. Nessa hora, ele chega a agradecer a aqueles que tanto se dedicaram a vê-lo bem, mesmo quando ele mesmo não compreendia isso. “Obrigado por não desistir de mim” é uma das frases mais ouvidas nestas situações.
Se você está hoje na situação em que a filha que fez o relato está, saiba que você tem uma chance que ela não teve: a de salvar a vida de alguém muito amado. Não perca a oportunidade de fazer isso, pois com certeza você pode se arrepender.
Não é fácil passar por cima do livre arbítrio do outro, mas há situações em que essa atitude salva a vida da pessoa e, quando se trata de dependência química, infelizmente a atitude de fazer isso é mais comum do que se imagina. No Grupo Recomeço, temos profissionais especializados que poderão esclarecer todas as suas dúvidas a respeito. Venha conversar com nossa equipe!